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Sobre a redução da dedução fiscal na Lei Federal de Incentivo à Cultura

O Ministro da Cultura, Juca Ferreira, em suas recentes declarações sobre a Lei Rouanet, tem defendido a redução da dedução de impostos das empresas sobre o investimento em projetos culturais, que hoje é de 100% do valor investido para algumas áreas, como teatro, livros e exposições, para o máximo de 80%. Os outros 20% iriam para o FNC (Fundo Nacional de Cultura).  Essa parece ser a primeira de uma série de mudanças que ele pretende implementar para corrigir a concentração dos recursos no eixo Rio-São Paulo. Eis aqui alguns pontos que acredito serem obscuros e danosos nessa proposta.

Em primeiro lugar, questiono a prioridade em atacar esse mecanismo para ter como consequência, nas palavras dele (em entrevista ao Jornal O Globo publicada em 06/02/2015), a “criação de mecanismos de avaliação de projetos que definam uma distribuição mais justa de recursos”.  Em segundo, a redução da dedução indiscriminadamente a todas as produtoras e produções. Em terceiro lugar – que não está dito nesse discurso do ministro e que é anterior ao mecanismo de mecenato previsto na Lei Rouanet – questiono a relação entre o Ministério e o Governo Federal, sabidamente deficitária,  no sentido de fomentar as iniciativas do primeiro, já que o investimento em cultura, assim como ocorre na educação, ainda representa uma margem percentual medíocre em relação ao PIB nacional.

Sobre o primeiro ponto, o próprio ministro acusa o inchaço de mais de 300 funcionários em seu ministério para dar conta da aprovação de projetos no mecanismo, então não entendo como ele pretende criar os tais mecanismos de avaliação. Parece que, antes de mais nada, propõe inchar um pouco mais essa máquina tendo como financiamento dessa operação o furto de 20% dos recursos de projetos que tiveram sucesso em sua captação, para só então “ver como fazer”.

Sobre o segundo ponto, essa redução dificultaria, e muito, a tarefa já bastante difícil de captar recursos, independente da região em que o projeto está inserido. Como essa situação seria aplicada inclusive aos projetos que tentam captar recursos fora do eixo de concentração, estes desfavorecidos passariam a depender ainda mais das iniciativas governamentais.

Sobre o terceiro ponto, se os mecanismos de fomento ao FNC estão errados ou insuficientes, isso não é culpa nem responsabilidade dos proponentes. Então – não entendo! – por que apertar pro lado das empresas e proponentes que encontraram uma justa medida entre comércio e arte, em vez de questionar com o Governo Federal o mecanismo de fomento do FNC? O ministro quer compensar a concentração montando na garupa da força comercial dos proponentes?

Querer que o FNC tenha mais dinheiro, tudo bem, é “para desconcentrar”. Acontece que o problema da concentração, a meu ver, não é a dedução de 100%. O mecanismo da dedução 100% é uma forma de acelerar os investimentos em cultura, e somando todo esse investimento, ainda é muito pouco perto do que o país precisa investir em cultura. A raiz dessa distorção, e talvez da irritação do ministro, poderia ser explicada, quem sabe, pela maneira do estado de atuar como empreendedor no setor cultural. Nesse sentido, concordo plenamente que o estado precisa receber de volta os rendimentos desse importante investimento que fez através do mecanismo de mecenato com dedução fiscal de 100% do investimento. A questão é de que forma isso pode acontecer efetivamente.

Quem sabe essa redução não seria justa se fosse gradativa, à medida em que os proponentes que tiveram sucesso comercial comprovado, por exemplo, se tivessem mais de 5 projetos realizados com verbas públicas, ou atingissem um valor bruto máximo de captação, passassem para uma nova faixa de dedução, menor que os 100%? Me parece bem mais sensato. A Lei Rouanet passaria a funcionar como um empréstimo, mas um empréstimo não para projetos, e sim para empresas do setor cultural, que atingiram um nível de maturidade do qual passassem, elas mesmos, a “emprestar” esses 20% para o governo, que então faria suas ações de desconcentração. É migrar da mentalidade “financiamento à projeto”, para o “financiamento à empresas”.

Dessa forma, talvez, conseguiríamos diminuir essa distorção, ao mesmo tempo em que conduziríamos as empresas do setor cultural, ao ponto em que encontrarão sua audiência, sem ter que desde o início de sua história se render unicamente ao comercial na produção de arte e cultura.

Condenar uma empresa que patrocinou um projeto fora do eixo Rio-São Paulo a destinar 20% para o FNC é uma distorção igualmente absurda. É distorsivo, sim, a empresa que capta milhões utilizando Leis de Incentivo e gera milhões de bilheteria em seus projetos, mas como categorizar isso pela Lei? Minha opinião já está dada: não é a receita estimada do projeto no enquadramento, é o sucesso consolidado a partir do financiamento público.

O capital que precisa ser injetado no setor cultural é de um risco incalculável, é uma zona de muito risco, e, portanto, não atendido pelos mecanismos de financiamento conhecidos. Não conseguimos imaginar bancos e investidores comuns dispostos a investir em empresas ou projetos nascentes no ramo. Isso porque toda empresa ou projeto nascente em cultura é uma pesquisa, e se não for assim, que se vá ao banco buscar empréstimo a juros de mercado. Por esse motivo acho que é uma atitude corajosa o estado fomentar a produção cultural por meio de benefícios fiscais. Dessa forma, “desmascarando o mito do setor público vs. setor privado”, como diz Mariana Mazzucato em seu livro “O Estado Empreendedor”, interpreto que o erro não está na corajosa atitude do governo em fomentar uma zona de alto risco empreendedor, mas em não conseguir obter desse investimento o retorno adequado. Retorno esse, aliás, que é verdadeiro, pois já existe em larga escala como resultado desse investimento, principalmente nas empresas produtoras que se beneficiaram desses mecanismo ao longo de anos.

É evidente que esse mecanismo, o fomento público, também representa riscos e custos para o empreendedor cultural, e ninguém quer menos do que nós, produtores, depender disso, pois não é por pura escolha que temos sido tratados como pedintes nas empresas, e como bandidos no setor público.

Não creio que o governo cumprirá seu inteligente papel empreendedor na área cultural criando uma linha de empréstimo condizente com a realidade dos produtores culturais na Caixa Econômica (se bem que não é uma má ideia), agora, pensar que a solução é punir TODAS as empresas nascentes na área cultural é de um revanchismo tolo.

Pensem no que isso siginifica. Num estado como Goiás, onde escolhi viver e trabalhar quando saí do Rio de Janeiro, cerca de 300 projetos foram aprovados em 2014; numa conta grosseira, digamos que existam 600 projetos captando recursos nesse momento. A redução da dedução fiscal tornaria muito mais difícil a tarefa de realizar esses projetos. Quantos desses seriam beneficiados por ações diretas da Funarte ou do MinC, ainda que estes realizassem o triplo de ações do que realiza hoje? Isso não é dar oportunidades iguais para todos. Talvez seja o estado tomando para si a coragem de “escolher os melhores”, só que através da redução indiscriminada da dedução fiscal no mecanismo de mecenato pune a todos, inclusive as produtoras aqui de Goiás, do Tocantins, do Amazonas, enfim, que ainda não atingiram em larga escala a maturidade em seus projetos culturais. Por isso defendo a redução gradativa e a progressão em faixas de dedução para empresas produtoras que logram sucessos de captação em seus projetos. Novamente citando “O Estado Empreendedor”:

“Estamos sempre ouvindo que o Estado deveria ter um papel limitado na economia devido à sua incapacidade para “escolher vencedores”, sejam os “vencedores” novas tecnologias, setores econômicos ou empresas específicas. Mas o que é ignorado é o fato de que, em muitos dos casos nos quais o Estado “falhou”, ele estava tentando fazer algo bem mais difícil do que aquilo que muitas empresas fazem: tentando prolongar o período de glória de uma indústria madura (a experiência do Concorde ou o projeto de avião supersônico americano) ou tentando lançar um novo setor de tecnologia (a internet ou a revolução de ti).”

Creio, portanto, que o mecanismo do mecenato não seja o problema, pois dá, sim, oportunidades iguais a todas às produtoras. Não no resultado da captação, vide os números da concentração apresentados pelo ministro, mas na possibilidade de captar e criar projetos para ir à mercado buscar financiamento. E se isso não fosse verdade, não despertaria a atenção de tantos produtores pelo país. A distorção não vem daí. A distorção é que as empresas que atingiram a maturidade, realizando inúmeros projetos através deste benefício, precisam migrar para mecanismos de financiamento menos seguros, para deixar que novas produtoras e projetos ganhem seu lugar no mercado.

Então, será que os 20% propostos pelo Sr. Juca é o mecanismo acertado para compensar a concentração? E quem está captando fora do eixo RJ-SP?

Não pretendo aqui discutir os caminhos da arte e da cultura, falo como empreendedor que busca financiamento para seus projetos. E para endossar parte do discurso do ministro, digo que não aguento mais aprovar projetos, pois nem 20% dos meus projetos ousaram captar recursos. Sigo me reinventando e melhorando meus projetos, mas preciso de mais duas ou três chances de, tendo captado recursos para eles, encontrar um meio de nunca mais bater em sua porta, e encontrar um público que aprecie a cultura que propomos.